São Paulo Fashion Week Trans N42: Uma Semana de Moda inclusiva

São Paulo Fashion Week Trans n42
Fonte: ffw.uol.com.br

Sou estilista e trabalho na área já há alguns anos, mas confesso que minha relação com as semanas de moda sempre foi estritamente profissional, ou seja, sempre me ative apenas ao aspecto prático de confirmar tendências e materiais para a próxima estação e ficar por dentro das inovações e criações interessantes lançadas.

Além disso, minhas principais fontes de informação sempre foram os portais de notícias voltados aos profissionais do setor e não a mídia comum, exatamente para não ficar perdendo tempo com a enxurrada de fofoca informação secundária que toma conta da cobertura usual do evento.

E por que essa relação tão fria com o mundo das passarelas?
Porque a real função dos desfiles de moda, que é apresentar os lançamentos para a próxima estação, as criações dos estilistas e as tendências que irão nortear a temporada seguinte, fazendo girar a roda de toda a cadeia têxtil, é colocada apenas como um pano de fundo, um plus no estoque de  lenha que alimenta a insaciável fogueira das vaidades que está, intimamente e, eternamente, ligada ao mundo fashion.

E isso tudo, na boa, é muito cansativo! Além de continuar alimentando a ilusão de conto de fadas que as pessoas (ainda!) têm em relação à Moda. É tanto pseudo-especialista (principalmente aqui na blogosfera), tanta gente que acha que entender de moda é postar look do dia, usar roupa de grife, saber o que tal celebridade tá usando, etc... Ai, que preguiça...

Porém, os habitantes do mundo fashion real, aquele sem glamour e sem muitas outras coisas, sabem que o buraco é muito, muito mais embaixo... A moda tem muitos desafios pra resolver pra ontem! Precisa dar respostas urgentes para assuntos como mão-de-obra escrava, impacto ambiental da cadeia de  produção, mercado de trabalho com condições longe, mas muito longe mesmo do ideal. Além de precisar promover uma adequação às demandas atuais da sociedade, abraçando grupos historicamente excluídos, tais como negros, pessoas acima do peso, transsexuais e deficientes físicos, por exemplo.

E a última edição da São Paulo Fashion Week, que terminou há poucos dias, diferentemente do que costuma acontecer em semanas de moda, trouxe uma chama de transformação em meio ao mar de superficialidades normalmente visto em eventos como esse. Claro, não foi a primeira oportunidade em que pudemos ver ações inclusivas nas passarelas, mas desta vez, tinha algo diferente...

São Paulo Fashion Week Trans n42
Fonte: blog.usefashion.com

A edição batizada de SPFW TransN42 trouxe no nome os conceitos de transformação, transgressão e transição. E não ficou só no discurso, não. Ressalto aqui o trabalho de duas marcas que se destacaram nesta edição por levar a diversidade para as passarelas.


Ronaldo Fraga

O estilista fez um desfile que trouxe no casting apenas modelos transsexuais e travestis, promovendo um protesto contra o preconceito e violência ainda sofridos por este grupo da sociedade.

Desfile Ronaldo Fraga
Fonte: senacmoda.info

A coleção "El Día que Me Quieras: Uma Música, Um Vestido, Muitas Estórias" expressa a esperança do estilista em dias melhores e é composta exclusivamente por vestidos. Todas as peças são na altura do joelho e ornamentadas com técnicas como o trompe l'oeil, padronagens florais, além de aplicações como babados, detalhes em transparências e volumes na parte superior.

Desfile Ronaldo Fraga
Fonte: blog.usefashion.com


LAB


Já a estreante LAB, dos irmãos Emicida e Evandro Fiotti e que tem  João Pimenta como diretor criativo, levou para a passarela uma coleção inspirada no samurai negro Yasuke, misturando referências africanas e orientais e unindo a determinação do povo negro ao espírito de luta dos samurais.

São Paulo Fashion Week Trans n42
Foto: Agência FotoSite

Segundo seus criadores, a ideia da LAB é apresentar ao consumidor uma moda democrática, versátil e inclusiva, que atenda a todos os tipos de corpos e ofereça também peças sem gênero.

Com um casting composto por modelos dos mais diferentes biotipos e, em sua maioria, negros, a marca desfilou peças em modelagens amplas e confortáveis, utilizando materiais como malha, moletom e moletinho.

Desfile LAB Emicida

A cartela de cores neutra é composta por preto, branco, cinza e vermelho. Na estamparia, havia desenhos de origamis e ideogramas japoneses, além de frases das músicas de Emicida.

Desfile LAB Emicida
Destaque para Seu Jorge apresentando um modelo de saia longa e plissada, um modelo com vitiligo e uma das modelos plus size do desfile.
Fotos: Daniel Teixeira e Paulo Whitaker
Sem dúvida, a LAB fez um desfile histórico e sua moda democrática conseguiu mandar o recado de que a diversidade não pode mais ser ignorada e a representatividade veio para ficar.

As passarelas precisavam de uma chacoalhada como essa há muito tempo. Chega de moda que não representa as pessoas reais. Afinal, as roupas são feitas para quem?

Pioneira na introdução do see now buy now nas passarelas, agora a SPFW, mais uma vez, se mostra em sintonia com as mudanças de comportamento da sociedade abrindo espaço para uma real diversidade nos desfiles.

Claro que boa parte da imprensa deu muito mais destaque à presença de Sasha, filha da Xuxa, na semana de moda do que ao que realmente aconteceu de importante. Mas não conseguiu tirar o brilho do grande passo que foi dado.

E vocês, o que acharam desta última edição da SPFW? E destes dois desfiles especificamente? 
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